lutos, elefantes e massinhas de brincar.

Milena Vieira
2 min readMay 27, 2023

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um dia ouvi alguém dizer que a parte mais difícil do luto é quando as pessoas seguem em frente e esquecem de que você ainda está nele. me pego pensando nisso frequentemente.

acho que esgotam-se os “sinto muito” e nossa dor passa a ser um incômodo ao invés de alvo de compaixão. um grande elefante sentado no nosso peito no meio da sala enquanto os outros conversam e fingem não ver, mais por respeito do que apatia.

em 24 anos e alguns meses de vida, nunca presenciei o falecimento de alguém que fosse realmente próximo, mas a morte sempre me foi uma estranha e eu — como boa melancólica que sou — observava e refletia o comportamento dos conhecidos enlutados.

coisa esquisita é a morte.

sempre uma interrupção tão abrupta de uma linha temporal que nós temos como estável e segura. mesmo nos casos em que ela é de fato esperada somos pegos de surpresa… não sei explicar. algo está ali e em um segundo depois não está mais.

até aquele último segundo, memórias eram processadas. e aí, todos os segundos depois deste correm como areia jorrando essas lembranças entre os dedos. toda tentativa de segurar esses grãos é uma tortura. porque a vida segue seu caminho a frente, mesmo contra a nossa vontade, mesmo não estando prontos. somos empurrados até aprender a andar de novo.

a questão é que toda morte nos rouba tanta vida, sabe?

grandes pedaços nossos se vão com aquilo que não volta mais. talvez seja por isso que precisamos nos contentar com a falta: porque desde o momento em que nascemos contemplamos a morte. talvez, pelo menos ainda nessa vida, nunca conheceremos a verdadeira plenitude.

tudo que existe no meio da binariedade de vida e morte são como aquelas bolinhas de massinha que brincávamos quando criança: tentamos misturar várias cores na expectativa de um arco-íris e no final, tudo ficava cinza. me lembro de ficar triste porque não via lógica naquilo. ainda assim, continuo fazendo a mesma coisa, procurando motivos para os resultados inesperados da vida; mas entre o branco e o preto, tudo que temos são vários e vários tons cinzentos. não ter respostas faz com que qualquer morte seja violenta, porque nosso senso de justiça é intragável. principalmente em se tratando de nós mesmos.

no final das contas, saber que alguns de nossos dias serão mais claros e outros mais escuros, mas sempre cinzas, pode amenizar a insatisfação de carregar essa dor nem sempre relacionável.

o elefante é meu, mas quem sabe se amanhã quando eu acordar conseguirei juntas as cores num tom mais claro de cinza?

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Milena Vieira

cristã, amante de idiomas, fotógrafa por hobbie e escritora por necessidade (própria).